Umbanda e consulência
Consulência como Fundamentos
Embora cada doutrina ou escola umbandista sustente práticas e saberes distintos, e cada terreiro tenha suas particularidades rituais, um ponto comum que une essa diversidade é o atendimento à consulência. As giras com atendimento das entidades ocupam a maior parte do calendário ritual dos terreiros, enquanto os trabalhos fechados, geralmente voltados para o desenvolvimento mediúnico da corrente, servem para formar médiuns preparados para corresponder a essa demanda — o atendimento espiritual, que é a razão de ser das camarinhas. Tanto é assim que cada firmeza, assentamento, defumação, canto ou reza tem como objetivo criar as condições necessárias para o bom andamento dessas consultas. Por isso, não é exagero dizer que a consulência é um fundamento da Umbanda, no sentido de que ela é essencial para a existência e manutenção dos terreiros. Vestir branco na Umbanda significa, acima de tudo, ter no cuidado com os que a procuram o alicerce do próprio autocuidado. Trata-se de um compromisso delicado, nem sempre óbvio à primeira vista. Considero fundamental que o adepto internalize esse princípio ao acender cada vela, vestir cada guia, saudar a tronqueira, firmar um ponto, bater cabeça e, principalmente, ao manifestar as entidades. Como já disse em outra ocasião:
"A prática mediúnica exige um aprendizado lento, constante e autocrítico, aliado a uma preocupação ética com todas as implicações de cada atendimento na vida dos consulentes. No entanto, não raro o transe se confunde com a fraude. Exibe-se um espetáculo de berros e contorcionismos, mas a fisicalidade do transe se torna um fim em si mesma, e a revelação que deveria brotar em beleza e cuidado se perde. Perde-se também o próprio cuidado como valor máximo da revelação, pois entre os absurdos difundidos pelo descuido mediúnico estão as falas estúpidas de algumas supostas entidades e a trapalhada difusa e rasa que caracteriza seus conselhos."
Quando um umbandista perde de vista esses fundamentos — especialmente o da consulência —, ele facilmente cai nesses enganos. E, se esses erros se tornarem um vício, podem comprometer gravemente sua comunidade.
O Atendimento como Espaço de Revelação
Quando o consulente finalmente se encontra diante de uma entidade manifestada em um médium bem preparado, abre-se o espaço para a "revelação". É assim que designo o processo dialógico, vivencial e contínuo no qual o assistido se fortalece pelo encantamento da fé, a partir da confiança, da amizade e do carinho que se estabelecem na relação com os ancestrais manifestos. Está encantado aquele cujo universo sensível está avivado, como sob o efeito de um feitiço, e é a partir desse encantamento que ele pode produzir novas visões de si mesmo e tecer novos modos de se relacionar consigo, com os outros e com o mundo. Perceba que não se trata de delegar aos guias as decisões que, na verdade, devem ser nossas. Na "revelação", as entidades nos ajudam a estabelecer valores que orientam nossas escolhas em momentos difíceis, sempre com cuidado, firmeza, integridade, respeito e consciência das implicações de nossas ações na vida dos outros. Ao deliberar bem, viabilizamos a paz, e a paz nos traz felicidade. Assim, a "revelação" é também um processo que oportuniza a felicidade. É dialógica porque se origina na comunicação entre o ancestral e o consulente; é constante porque provoca transformações e decisões que se desdobram ao longo da vida; e é vivencial, pois a "revelação" não termina no terreiro: levamos os desafios que ela propõe e as ferramentas que nos oferece para o mundo cotidiano. Parte da revelação é trabalho.
O Descaminho da Revelação
Você que me lê, procure lembrar, entre as consultas que teve com entidades de Umbanda, aquelas que mais o marcaram positivamente, que o engajaram na própria vida, na coragem de decidir sobre si mesmo. Aí houve "revelação", aí houve comunicação mediúnica conduzida por um médium competente e responsável. E quando não há revelação, o que há? Previsões do futuro que, com o tempo, se mostram falsas. Ordens sobre o que fazer ou não fazer, anulando o poder e o dever de decisão de um sujeito vivo. Trabalhos mirabolantes, receitados sem a construção de relação, intimidade ou convivência. Perceba, então, que fora da "revelação" só há mentira ou, no mínimo, perda de tempo. É claro que a Umbanda tem seus fundamentos mágicos, mobilizando, através de banhos, passes, benzimentos, rezas, trabalhos e desobsessões, o equilíbrio do axé que vitaliza o adepto. Mas um terreiro que não oferece qualidade na comunicação de seus médiuns nada tem a oferecer em termos de fundamentos mágicos, caindo facilmente na mistificação ou no placebo. Enfim, se somos gente de Umbanda, tenhamos sempre em vista a importância da consulência, dessas pessoas que confiam em nós, e procuremos entregar a elas, em cada gira, a oportunidade do encantamento, da "revelação" que pode ser seu bote salva-vidas no caos tempestuoso do mundo.
